segunda-feira, outubro 5

5 de Outubro

Hoje acordei, comi um palmier coberto, e vim até aqui reflectir sobre o 5 de Outubro.

A verdade é que não há muito a reflectir. Infelizmente, o 5 de Outubro tornou-se numa festa vazia de significado em que a maior parte das pessoas passará cinco segundo perguntando-se qual é o santo a que se deve o feriado e este bendito fim-de-semana alargado. Mais tarde, ao ver as notícias na televisão, talvez alguns se apercebam que o feriado não é religioso e, tenho a certeza disso, é nessa altura que poderá ver aquilo em que a festa da república se tornou: um dia de propaganda da monarquia.

Hoje em dia, a questão da república vs. monarquia está colocada nos seguintes termos: há uns quantos monárquicos, normalmente gente que canta o fado e é dona de um solar, gente com dinheiro a mais e preocupações a menos; depois, há o resto de nós, os não-monárquicos, os normais. Republicanos, propriamente ditos, tirando o Mário Soares, não me lembro de haver nenhum.

Mas não façamos confusões, entre monarquia e república há uma escolha a fazer. E, para que a república faça sentido e avance, é preciso que a maioria da sua população seja republicana e não apenas "não-monárquica".

Pois bem, neste 5 de Outubro, deixo aqui a minha profissão de fé: eu sou um convicto republicano, por motivos "não-monárquicos", com certeza, mas principalmente por motivos republicanos propriamente ditos.

Por motivos "não-monárquicos" porque existe uma questão fundamental de que os monarquistas fogem como o diabo da cruz ou os autarcas do PSD da Manuela Ferreira Leite: e quem seria o monarca? Esta questão coloca por terra todas as outras brilhantes ilações que os monárquicos fazem da nossa república velha e decadente, porque não há imagem de maior decrepitude do que o nosso "monarca", senhor de um farto bigode, marido da "Isabelinha" e pai dos príncipes que, mesmo em bebés, estavam proibidos de chorar. Se ter o Cavaco a Presidente já é mau por cinco anos, imaginem ter o D. Duarte para o resto da vida.

Os motivos republicanos têm a ver com uma referência meio escamoteada, inscrita logo no início de um artigo muitas vezes esquecido na Constituição de 1976 e que não o devia ser, até porque é logo o 2º. O artigo reza assim: "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular (...)". Soberania popular. Para quem tenha curiosidade de saber como funciona a monarquia, saiba que na sua lista prioridades estaria a revogação deste artigo. O soberano da nação deixaria de ser o povo português e passaria a ser o senhor do bigode farto. E, não sei explicar porquê, isto de ser o soberano de mim próprio, por muito que seja apenas uma imagem simbólica e uma formalidade, é uma ideia que ainda me diz qualquer coisa.

sábado, outubro 3

Liga dos Últimos: Giggle-time All-mo

Fonte: http://www.mudarlisboa.org/

Bem sei que o objectivo inicial era de passar pelos outros digníssimos representantes da "Liga dos Últimos", passando pelo MEP, o PCTP, indo a exemplos históricos como a ascenção do Bloco de Esquerda, a surpreendente primeira campanha do PSN (o partido dos reformados) e a lição dada pelo CDS-PP nas últimas legislativas.

Mas, estando nós em plena campanha para as autárquicas, não posso deixar de falar do caso que mais me fascinou nesta campanha. E envolve de novo o MMS.

O candidato a Lisboa pelo Movimento Mérito e Sociedade chama-se António Costa.
Quais são os seus principais méritos enquanto candidato? Chama-se António Costa.
Qual é a plataforma política em que se apoia? Ele chama-se António Costa.
Qual é a mensagem? O homem chama-se António Costa.

Perceberam bem? O candidato do partido mais inexpressivo a concorrer a estas eleições autárquicas na capital (se não "o" mais inexpressivo parece estar a tentar tudo para conquistar o título) tem o mesmo nome do actual Presidente da Câmara e candidato à reeleição. E não me canso de o repetir porque eles também não se cansarão: ele chama-se António Costa.

Sempre considerei que a estratégia de marketing que aposta na confusão entre o que realmente se quer e o que se acaba por levar tem alguns, pequenos, problemas de sustentabilidade.

Na política não é diferente, em primeiro lugar, porque esta estratégia tem apelo junto dos eleitores menos comprometidos com a eleição (ou isso, ou aos que vejam mal ao perto) e que se enganem com facilidade na hora de votar. Ora essa é, obviamente, uma faca de dois gumes, porque, no altar de Nossa Senhora da Asneira, nem Deus sabe quem acaba sacrificado. Esta é uma táctica latente até na própria escolha do nome do movimento. Já vi pessoas, I kid you not, a dizer convictamente que esse movimento, o "SMS", é aquele que se vota pelo telemóvel. Mais votos, de eleitores perfeitamente mobilizados, que são lançados ao lixo. Em segundo lugar porque isso de vender ténis da marca "Abibas" é claramente coisa de feirantes e não é fácil conseguir votos aí porque já passaram por lá outros a marcar o território.

Mas não se pense que foi só o MMS a jogar na confusão do eleitor incáuto. O próprio Partido Republicano dos Estados Unidos, com outra história e responsabilidade ao nível mundial, já jogou a mesma carta e, se me perguntarem, duvido que consigam melhores resultados. O Jon Stewart explica.

The Daily Show With Jon StewartMon - Thurs 11p / 10c
Elephant in the Room
www.thedailyshow.com
Daily Show
Full Episodes
Political HumorRon Paul Interview

quinta-feira, outubro 1

Conflitos.....

O ambiente que a política dos nossos dias respira não me apraz.
Independentemente da cor política ou de quem tem razão ou não
é deveras lamentável o nível a que se chegou!

Embora seja agradável criticar e opinar sobre o mesmo....
A melhor Imagem que tenho deste conflito é este, imagino Cavaco a fazer de Boy George

Do Outro lado do Oceano

Já que o nosso correspondente ainda não nos mostrou nada....
Aqui vai o meu mais recente regozijo

lonely islanders para descobrir!

.... And we're back!!!!



Rejuvenescimento.... soa sempre bem, mesmo para quem nunca precisou de um.
Estamos de volta para opinar, relatar ou mesmo apontar as fragilidades/resistências/virilidades desta nossa sociedade contemporânea....

Eu digo: On your Marks!!! Get set!!! Go!!!!!!!


quarta-feira, setembro 30

Demissões

Reza a história que as eleições, na sua origem, serviam para eleger pessoas para cargos de responsabilidade na gestão da coisa pública. O acto eleitoral, imagine-se, era visto como a forma de “eleitores” escolherem os seus “eleitos”. Pode até parecer um bocado elitista vir para aqui com estes termos arcaicos todos, mas é para que se saiba de onde vêm os nomes das coisas.

Hoje em dia, tudo isto caiu em desuso e, como toda a gente sabe, as eleições servem para demitir pessoas. Mais do que isso, aliás, uma democracia é tanto mais avançado quanto menor for a relação entre o demitido e seja o que for que esteja em causa nas eleições. Desse ponto de vista, o despedimento mais óbvio, o que o povo impôs à líder do PSD, nem foi muito criativo. Ela perdeu objectivamente as eleições e, mesmo que ninguém as tenha ganho a mais ninguém, uma coisa é certa: rua com a senhora. É para isso que as eleições servem.

Ainda assim, a verdadeira medida de como a sociedade portuguesa evoluiu desde o 25 de Abril está nesta declaração com a qual Francisco Louçã vê na contagem dos nossos boletins de voto a carta de exoneração da Ministra da Educação. Agora sim, estamos a falar de uma democracia avançada. E, mais uma vez, é o coordenador do Bloco de Esquerda quem mostra o caminho. Sem tempo para evoluções demasiado lentas, o que nasce das palavras de Louçã é uma verdadeira (r)evolução dos tempos modernos, uma coisa como deve de ser. E tudo devido a uma capacidade tremenda de transformar o voto secreto em urna sobre a composição do parlamento numa opinião muito concreta, ad hominem, sobre um dos ministros. Isto sim, é de um político com os olhos postos no futuro.

Pois bem, eu sou um fã confesso da política rasteira e do jornalismo que a acompanha, quando não a provoca. E a verdade é que não resisto a apanhar o barco.

O facto político mais relevante dos resultados das eleições é o do PSD, em pouco tempo, ter esvaziado a vitória eleitoral das europeias e a expectativa das sondagens que o colocavam a par do PS à entrada das duas semanas de campanha oficial. Pois bem, a verdade é que as diferenças entre essas duas semanas e o resto da campanha eleitoral foram apenas duas: os tempos de antena às 19h e os chamados “casos da campanha”, que os jornalistas acompanharam, quando não os provocaram, ao ritmo de aproximadamente um por cada dia e meio. E essa escalada da violência culminou na mãe de todas as histórias que veio para acabar com todas as histórias: o caso das escutas.

(Parêntesis engraçado: aparentemente o Presidente Cavaco Silva agora deu ao assessor Fernando Lima um cargo novo: o de provador oficial de bolos-rei, para ver se o Primeiro-ministro não anda a enfiar microfones, disfarçados de frutos cristalizados, pela guela do Presidente abaixo. True story, or is it?)

A minha pergunta, que posso até deixar à laia de “pergunta da semana”, à la Rui Santos, é a seguinte: se foi o Presidente Cavaco Silva quem, indirectamente, comparou o Partido Socialista à Stasi* e acabou por ser o responsável pela implosão da “Campanha de Verdade” do seu próprio partido, será que não foi ele quem recebeu dos portugueses uma cartinha para ir lá ao Centro de Emprego, na segunda-feira?

Bom, como faço de todas as vezes que menciono o sagrado nome de Sua Eminência, o 19º Presidente da República Portuguesa e 6º Taifa de Silves, termino o post com um: “assim seja, meu Deus. Assim seja.”

* Atenção, não quero com isto dizer que a comparação seja totalmente descabida.

quinta-feira, março 19

¿Por qué no te callas?

Onde anda o Rei de Espanha quando precisamos dele?

Não sei se a maioria dos católicos aceitam as gaffes e as incorrecções de um Vaticano que sempre se arrogou uma aura de infalibilidade. Se fazem vista grossa sobre readmissões de bispos lefebvristas e negacionistas.
Não acho que se revejam nas posições homofóbicas e discrimatórias face ao direito dos homossexuais de ver as suas relações reconhecidas legal e socialmente.
Não penso que vejam a mínima réstia de caridade e de bom senso em excomungar uma criança de 9 anos por ter abortado depois de te ter sido violada pelo padrasto.

Mas aquilo de que tenho plena certeza é de que não toleram, como não tolero eu, a forma como o Papa se deslocou a África para impunemente destruir o trabalho, muitas vezes desesperado, de quem há décadas luta para mudar consciências e hábitos como a única forma de combater o flagelo da SIDA.

Acabado de ser eleito Sumo Pontífice, apenas lhe impunham os paramentos papais, o Cardeal Joseph Ratzinger decidiu que queria consagrar o seu pontificado a S. Bento. A outra razão que apontou para a escolha do nome foi a de que esperava, tal como o seu predecessor onomástico, Bento XV, ter tido um pontificado curto.
Que assim seja, Sua Santidade, que assim seja.

terça-feira, janeiro 13

Equidistância

Eu devo ter sonhado, nesse caso, quando pensei que te tinhas referido à uma afinidade com o povo judeu. Reconheço o erro: citei-te mal quando disse que essa afinidade ia para o governo de Israel, quando claramente "as [tuas] simpatias [são] pelo povo judeu (na sua generalidade e não apenas os que habitam em Israel)". my bad again.

Há milhões de judeus em Israel e fora que serão contra este tipo de ofensiva. Pena que isso não lhes vá servir de nada e que a alternativa ao actual governo seja o Likud que, provavelmente, ainda seria mais feroz na sua tentativa "alterar as realidades no terreno". E é pena que não te sejam conhecidas iguais simpatias pelo povo palestiniano. Tornava mais verosímil a tua teoria da equidistância. Ainda assim, é melhor ficares com os que vivem fora da Palestina porque os que ainda estão lá podem vir a dar-te amizades pouco duradouras, e não havíamos de te quer ver desperdiçar amor.

O problema é que, neste conflito, não tomar partido não é uma opção. Não é possível declarar equidistância perante os crimes evitáveis das IDF e os crimes incontáveis dos terroristas do Hamas, entre as cegueira do governo de Israel e o fanatismo de um movimento radical religioso. Isso é equipará-los em natureza e responsabilidade e, no processo, desresponsabilizar o exército regular de um país ocidental e o governo eleito de um aliado da Europa e dos Estados Unidos. É como se não esperássemos mais do exército do governo de Israel do que de um qualquer bando de extremistas com meios bélicos industriais.

E os resultados dessa "não tomada de posição" estão à vista.
Dados de hoje da BBC: 920 palestinianos foram mortos em Gaza desde o fim das tréguas, dos quais 292 eram crianças e 75 eram mulheres. 13 Israelitas, incluindo 3 civis, foram mortos.

Os factos, claramente, já tomaram partido.

Read my lips

Bom, agora que isto é mesmo uma questão pessoal, interrogo-me se por acaso tu sequer lês o que eu escrevo ou se apenas imaginas aquilo que gostarias que eu escrevesse.

"eu não cometo o erro de confundir os povos com os governos". Estás a gozar, certo? Quando digo que nutro a maior simpatia e respeito pelo povo judeu tu lês que sou "tão amiga do governo de Israel". Se isto não é confundir povos com governos, não sei bem o que é confundir povos com governos.

Volto a dizer: só não percebo como é que se podem tomar partidos.

Read my lips: só não percebo como é que se podem tomar partidos.

Mais uma vez, e para que não restem dúvidas:

só não percebo como é que se podem tomar partidos

Got it?

segunda-feira, janeiro 12

Traumas verdadeiros

Para ser sincero, não sabia dessas tua afiliação. E quando ataquei a ofensiva em Gaza, não esperava que conseguisses transformar um argumento contra o governo de Israel num ataque pessoal, simplesmente porque não te sabia tão amiga do governo de Israel. my bad.

Aliás, eu não cometo o erro de confundir os povos com os governos. Durante anos tentei tornar claro que não confundia o povo americano com a administração Bush assim como não o vou confundir com a do Presidente Obama. Acho que isso está relacionado com a experiência, essa sim traumática, de me ver associado a nomes como Durão Barroso, Pedro Santana Lopes ou José Sócrates.

Mas a invocação do Holocausto, que está longe de ser original em mim, não tem a ver com a ironia de serem a vítimas de então os algozes de agora, por muito poética que essa ironia seja. É porque a imagem de um ataque indiscriminado e massificado sobre uma população que não tem para onde fugir, é demasiado fácil para evitar. Basta ver as imagens e ler as descrições de vítimas que chegam aos hospitais para perceber que as IDF estão a usar munições "cegas" sobre áreas residenciais, em clara violação das mais básicas leis da guerra. Basta pensar na perfídia com que se lançam panfletos avisando da escalada dos ataques ao mesmo tempo que barram a saída das pessoas, para que o sadismo das SS nos venha à cabeça.

Como vês, Joana, isto tem a ver com crimes de guerra, com a responsabilidade de um estado ocidental de observar o respeito pela Lei Humanitária sob a bandeira da qual ele próprio foi criado, com as vidas de mais de 800 pessoas, com o que resta das vidas das suas famílias nos casos em que não foram todas obliteradas.
Não tem a ver contigo. Não tem nada a ver contigo.

No fim, parece-me mais que quem transformou o argumento num ataque pessoal foste tu. E o mais interessante é que o viraste contra ti própria.

Traumas

E lá voltamos todos ao Holocausto. Enquanto olharmos para o Médio Oriente através das lentes dos campos de concentração, tenho para mim, não vamos a lado nenhum. Claro que não podemos falar da história de Israel sem falar de Holocausto e nazis e SS e todo esse bocado de história. Não é isso que peço.

Só peço é que isso deixe de ser desculpa, para ambos os lados. Que deixe de ser desculpa para Israelitas. E que Palestinianos deixem de dizer que não tiveram nada a ver com Holocausto e nazis e SS e todo esse bocado de história, para agora levarem com os Israelitas no bairro.

Quando me referi à minha data de nascimento, não o fiz por puro narcisismo (embora o tenha feito com algum narcisismo, confesso). Reparem, há pessoas a morrer de ambos os lados que nasceram muito depois do Holocausto e da abrupta criação do estado de Israel. Há Israelitas para quem aquela é mesmo a terra deles, porque foi ali que nasceram, cresceram, foram pela primeira vez ao cinema, é a terra onde viveram.

O problema do Miguel é que resolveu usar um argumentum ad hominem em resposta ao meu post. Ou seja, conhecendo as minhas simpatias pelo povo judeu (na sua generalidade e não apenas os que habitam em Israel), atacou-me a mim e não ao meu argumento.

Porque, em consciência, tenho a certeza que o Miguel, com o espírito missionário que o caracteriza, não pode estar em desacordo com quem diz que é impossível tomar partidos num confronto como o que se tem desenrolado em Gaza.

Gaza III

Eu não nasci no dia 19 de Maio de 41 no meio de um campo de concentração, mas não preciso que me digam que seria muito mais simpático usar fraldas da marca "SS" do que uns trapos à volta da cintura com a Estrela de David.

Claro que dirão que estou a comparar Israel ao III Reich, o que não me parece que esteja a fazer, até porque não comparo, mas esse é a maneira como os defensores de Israel normalmente tratam quem os critica: de anti-semitas.

O Hamas é, por defeito e natureza, um movimento extremista que, em condições normais, devia ter uma base eleitoral dentro de uma franja dentro de um grupo que, já de si, representa menos de um terço da população palestiniana. E ganhou as eleições legislativas.

É como se o extinto Partido da Solidariedade Nacional ressurgisse para ganhar a maioria absoluta ao PS. E isso só poderia acontecer de uma maneira: se o José Sócrates, para resolver o problema da Segurança Social e garantir o futuro dos nossos filhos, começasse a reunir todos os reformados e a enfiá-los em câmaras de gás, para horror do resto da população portuguesa. De quase toda, pelo menos. Aparentemente à excepção da Joana.

Como disse recentemente o Fisk, numa reportagem no campo de concentração não se dá o mesmo tempo de antena aos judeus e ao oficial das SS. Não se lhe põe o microfone à frente para ele falar dos seus sentimentos acerca dos insultos e injúrias que recebia dos judeus dentro da câmara.

Gaza II

Não percebo como é que é possível, a esta distância, ter um posicionamento em relação ao conflito de Gaza. Tudo bem que, se o exército de Israel fizesse a Lisboa (estou-me um bocado nas tintas para o resto do país) metade do que fez às pessoas em Gaza, também pensaria em formas mais ou menos sádicas de os torturar.

Mas, por outro lado, se tivesse nascido a 27 de Setembro de 80 no seio de uma família Israelita e tivesse medo de ir à padaria, porque o Hamas anda por aí, também não me importava nada que o meu exército entrasse a matar (literalmente) pela faixa de Gaza adentro.

Parece-me, e acho que não vou dizer nada de extraordinário, que a quem não está por dentro do conflito, cabe o difícil papel de não tomar partidos. E, em última análise, acabar de vez com aquele pedaço de terra maldita.

sexta-feira, janeiro 9

Gaza

Onde é que eu me posiciono em relação ao conflito em Gaza?

Como saberão, não sou um palestiniano xiita. Se o fosse, não apoiaria o Hamas, como imagino que a grandíssima maioria dos palestinianos, dos xiitas inclusive, não apoiaria.

Mas se o exército de Israel fizesse metade a Portugal do que está a fazer às pessoas em Gaza, eu não sei se me juntaria ao Hamas, se fundaria um daqueles movimentos que os fizesse parecer meninos de coro.

sábado, novembro 8

y2k, v.2.0

Deve ser difícil para a pessoa de George W. Bush perceber que a notícia do fim do seu mandato foi recebida com uma euforia global que não se via desde a passagem do milénio.

Durante estes últimos anos, principalmente depois do 11 de Setembro, muitas pessoas concluiram que o período que dista desse dia à queda do muro de Berlim, cerca de 12 anos antes, tinha sido pouco mais que um interregno. E se é verdade que o 11 de Setembro reavivou trincheiras que os anos da globalização Clinton pareciam querer esbater, não é menos verdade que passar uma esponja por cima dessa década seria, pelo menos, igualmente míope.

Mas a sensação persiste. Continua a parecer que a agenda política do milénio, com os seus objectivos de eliminação da pobreza e de cuidado do ambiente, com as suas promessas de paz no Médio Oriente, com as suas ideias de reformulação dos assentos do Conselho de Segurança, do papel da União Europeia, do papel da NATO, podem agora voltar a sair da gaveta.

Parece que o mundo, oito anos depois, pode parar de suster a respiração e largar um longo e ruidoso suspiro de alívio, que os anos Bush poderão ser tanto de um interregno quanto se julgaram que os anos Clinton tinham sido. Que se pode finalmente comemorar o nascimento de um novo milénio.

quarta-feira, outubro 29

Associações

Não é novidade nenhuma que uma das tácticas políticas mais usadas contra adversários é o da acusação por associação. E não se limita à política interna. Os presidentes Bush justificaram repetidamente as suas acções contra Saddam Hussein associando-o aos nazis e, mais tarde, a Al-Qaeda, com o mesmo grau zero de ligação existindo entre o ditador iraquiano e qualquer um dos movimentos.

Essa táctica também já não é novidade na campanha contra Barack Obama. Primeiro foi a associação aos actos terroristas de Bill Ayers, que fez do afro-americano com um nome parecido com Ossama, nada menos que um terrorista islâmico in the closet.

Mas agora a táctica da associação entrou num campo ideológico de longe mais interessante que os anteriores. Em resposta a um suposto canalizador chamado Joe que dizia ir ter pagar mais impostos sob a administração Obama, o candidato democrata disse que é melhor "espalhar a riqueza". Bem sei que para o comum dos europeus, que vive sob a protecção de um welfare state que não vai a lado nenhum, nada pareceria mais óbvio. Mas a América é fundado sob o signo do negócio e da realização individual que gera riqueza individual.

É claro que os republicanos pegaram na frase "espalhar a riqueza" e a repetiram à exaustão. Não contentes com os jogos de associação anteriores, decidiram que era tempo de transformar Obama num terrorista islâmico... e comunista, um homem que acredita num dos dogmas básicos do socialista. E se pensam que a associação é difícil, não menosprezem a capacidade dessa parte do eleitorado de todos os países (nós também os temos) que precisa de seja do que for para viver mais confortavelmente.

Ainda assim, trata-se, como não podia deixar de ser, de uma associação. Um tipo de associação em que se toma a parte pelo todo, algo que em retórica se chama uma "falácia de divisão". O que Obama propõe é a subida dos impostos e posterior redistribuição de parta da riqueza dos 5% mais ricos do seu país. O que o socialismo propõe é a redistribuição de toda a riqueza de todos os habitantes do país. O que Obama propõe é uma instância de justiça social baseada numa concepção da riqueza que a coloca ao serviço dos mais desventurosos (um conceito bem cristão, por sinal). O que o socialismo propõe é a abolição da propriedade privada.

O que Obama propõe não é o socialismo. É aquela parte do socialismo que a teoria liberal mais moderada adoptou, mesmo em países como os Estados Unidos (sim, mesmo lá o imposto sobre o rendimento já existe há muito tempo). O que ele propõe é uma medida de equidade e solidariedade social que não coloca em causa a estabilidade da economia (taxar 20% dos rendimentos, o máximo que Obama propõe para os mais ricos dos mais ricos, não chega nem perto dos mais de 50% que se taxa na Bélgica ou na Itália). Não é socialismo, é social democracia, é democrata. Eis uma associação em que se devia insistir.

terça-feira, setembro 23

Favela na margem sul

Dizem que a margem sul anda cheia de gente das favelas. O comum dos mortais (e sem querer ser demasiado crítico dos meus concidadãos, parece haver muitos mortais comuns por aqui) vêem nisto um problema.

Eu, aluno devoto do optimismo político, prefiro ver uma oportunidade. Uma oportunidade de proporcionar a estas pessoas aquilo que não tiveram no seu país. Um país onde o simples acto de caminhar pela ruas é retomar o fio a uma meada de responsabilidades.

segunda-feira, agosto 25

Pequim 2008

Apesar da minha relutância inicial em assistir aos Jogos Olímpicos de Pequim, de maneira a simbolizar a minha falta de apoio ao que se passa na China, acabei por acompanhá-los.
I'm a sports nut, what can I do?

Continuo a considerar nefasta a atribuição da organização dos Jogos a um regime que desde há muito faz tudo para obter reconhecimento internacional e continuo a achar que a proibição das manifestações pelos direitos humanos, por se tratarem de manifestações políticas, acabaram por enfatizar a maior das manifestações políticas: a da legitimidade internacional do próprio regime chinês.

Apesar de todos os pesares, não me arrependo de voltar atrás na minha decisão e assistir às provas. Porque os Jogos Olímpicos são uma manifestação única. A proeminência dos feitos de Phelps e de Bolt são a prova de que, mesmo quando o futebol está presente (e grandes equipas estavam representadas com alguns dos seus melhores jogadores), as pessoas afluem em massa é às provas de superação dos limites do corpo humano, a ver os grandes atletas, a ver cair os records.

E estes Jogos vão ficar para sempre na memória, como os jogos em que Michael Phelps ganhou oito medalhas com sete records do mundo e um olímpico, com provas ganhas ao centésimo e com a ajuda dos colegas das estafetas e outras em que, como disse o campeão russo Alex Popov, "ganhava até se nadasse com os pés para a frente". Vão ficar na memória como os jogos em que Usain Bolt brincou com o record dos 100m, a bater com a mão no peito, deixando os adversários a milhas. E ainda pelo record de Elena Isinbayeva no salto com vara feminino, pela medalha de prata de Oksana Chusovitina na ginástica, conseguida aos 33 anos, contra rivais que tinham quase a metade da idade dela, pelo novo record olímpico de Samuel Wansiru na maratona, pelo Nélson Évora, o quarto campeão português em 112 anos de olimpismo (com as conhecidas interrupções devidas aos conflitos mundiais).

Vão ser lembrados não por cabeçadas no peito dos adversários ou saídas a destempo aos cruzamentos, mas pelas grandes lendas, pelos atletas de eleição que nos merecem o aplauso por terem sido mais rápidos, por terem chegado mais alto, por terem ido mais longe.

terça-feira, abril 8

Acordo ortográfico

Alguns defensores do acordo ortográfico disseram que os "artistas" poderiam continuar a usar o grafismo que quisessem. Eu, que decidi manter com veemência o grafismo da minha língua, agradeço o elogio, se bem que o considere muitíssimo desperdiçado nos meus escritos.

A minha posição sobre este acordo tem sede numa evidência, de tal modo "evidente" aliás, que me surpreende sequer a existência de um debate. São as evoluções que fazem os acordos, não o contrário.

É bem verdade que as línguas não param no tempo. É verdade que o português que se falava em Portugal há 200 anos não é o mesmo que se fala agora e que houve correcções e mesmo introduções de novas palavras durante este tempo. Mas é exactamente por isso que não sentido um acordo ortográfico entre Portugal e o Brasil. Portugal e o Brasil, separados politicamente há quase 200 anos e culturalmente há provavelmente mais tempo ainda, seguiram cada um o seu caminho.

Foi o que aconteceu com o British English, o American English e o até um Australian English, sem que a rainha tivesse vindo em afrontamentos de rigorismo conservador dizer que quem quer falar inglês tem que ter um sotaque cockney. Lembro-me bem de ter escolhido a certa altura que iria falar o inglês americano (atitude que estou a rever) e quem queira aprender português tem todo o direito de escolher a norma brasileira, legitimamente achando-a mais útil ou fácil de compreender.

O que não faz sentido absolutamente nenhum é este esforço para fazer evoluir a norma portuguesa por decreto.

quinta-feira, fevereiro 21

De Espanha...

Só para que conste, acho absolutamente lamentável que em Espanha se coloquem os resultados de uma eleição à frente da estabilidade de um continente. A posição espanhola de oposição à declaração de independência do Kosovo coloca em causa a capacidade de resposta da União Europeia, que até tem tropas no terreno. E tudo porque o governo Zapatero não se pode dar ao luxo de reconhecer a independência de uma província em relação a um país soberano com medo que se abra um precedente que os bascos e os catalães possam usar.

O Chipre, a mãos com uma divisão dentro do seu próprio território e a Grécia, aliada tradicional de Nicósia, também não reconheceram a independência kosovar. Isto apesar de todas as ressalvas e chamadas de atenção dos negociadores europeus para o facto qualquer resolução da situação no Kosovo não abrir um precedente jurídico.

Já se sabia, nos bastidores diplomáticos, que eram estes os países que estavam a dificultar a vida ao Kosovo no ceio da própria União mas, por momentos, parecia-me que os esforços da Eslovénia, mesmo antes de assumir a presidência da União iriam dar frutos e a Europa ia conseguir ter uma só voz na resolução de um problema que é europeu. Seria este suceder de sucessos, depois da assinatura do Tratado de Lisboa (e o garantir da sua ratificação), que iriam dar um novo momentum ao projecto de construção europeia e começar a escrever as primeiras linhas do último capítulo de um livro que se teima em não fechar: o da Guerra Fria e das relações com o "aliado" russo.

Mas, em vez disso, estes três países decidiram demitir-se das suas responsabilidades. Em vez disso, os governantes da Espanha, um dos 5 maiores países da União, decidiram que umas décimas nas sondagens eram preferíveis ao estabelecer de condições à acção "unida" da União no último conflito nos Balcãs. Condições que estavam de resto reunidas, com forças de intervenção rápida no terreno, sob a égide da Eslovénia, o primeiro dos países da Ex-Jugoslávia a aderir à União e a assumir a sua presidência rotativa.