quarta-feira, setembro 30

Demissões

Reza a história que as eleições, na sua origem, serviam para eleger pessoas para cargos de responsabilidade na gestão da coisa pública. O acto eleitoral, imagine-se, era visto como a forma de “eleitores” escolherem os seus “eleitos”. Pode até parecer um bocado elitista vir para aqui com estes termos arcaicos todos, mas é para que se saiba de onde vêm os nomes das coisas.

Hoje em dia, tudo isto caiu em desuso e, como toda a gente sabe, as eleições servem para demitir pessoas. Mais do que isso, aliás, uma democracia é tanto mais avançado quanto menor for a relação entre o demitido e seja o que for que esteja em causa nas eleições. Desse ponto de vista, o despedimento mais óbvio, o que o povo impôs à líder do PSD, nem foi muito criativo. Ela perdeu objectivamente as eleições e, mesmo que ninguém as tenha ganho a mais ninguém, uma coisa é certa: rua com a senhora. É para isso que as eleições servem.

Ainda assim, a verdadeira medida de como a sociedade portuguesa evoluiu desde o 25 de Abril está nesta declaração com a qual Francisco Louçã vê na contagem dos nossos boletins de voto a carta de exoneração da Ministra da Educação. Agora sim, estamos a falar de uma democracia avançada. E, mais uma vez, é o coordenador do Bloco de Esquerda quem mostra o caminho. Sem tempo para evoluções demasiado lentas, o que nasce das palavras de Louçã é uma verdadeira (r)evolução dos tempos modernos, uma coisa como deve de ser. E tudo devido a uma capacidade tremenda de transformar o voto secreto em urna sobre a composição do parlamento numa opinião muito concreta, ad hominem, sobre um dos ministros. Isto sim, é de um político com os olhos postos no futuro.

Pois bem, eu sou um fã confesso da política rasteira e do jornalismo que a acompanha, quando não a provoca. E a verdade é que não resisto a apanhar o barco.

O facto político mais relevante dos resultados das eleições é o do PSD, em pouco tempo, ter esvaziado a vitória eleitoral das europeias e a expectativa das sondagens que o colocavam a par do PS à entrada das duas semanas de campanha oficial. Pois bem, a verdade é que as diferenças entre essas duas semanas e o resto da campanha eleitoral foram apenas duas: os tempos de antena às 19h e os chamados “casos da campanha”, que os jornalistas acompanharam, quando não os provocaram, ao ritmo de aproximadamente um por cada dia e meio. E essa escalada da violência culminou na mãe de todas as histórias que veio para acabar com todas as histórias: o caso das escutas.

(Parêntesis engraçado: aparentemente o Presidente Cavaco Silva agora deu ao assessor Fernando Lima um cargo novo: o de provador oficial de bolos-rei, para ver se o Primeiro-ministro não anda a enfiar microfones, disfarçados de frutos cristalizados, pela guela do Presidente abaixo. True story, or is it?)

A minha pergunta, que posso até deixar à laia de “pergunta da semana”, à la Rui Santos, é a seguinte: se foi o Presidente Cavaco Silva quem, indirectamente, comparou o Partido Socialista à Stasi* e acabou por ser o responsável pela implosão da “Campanha de Verdade” do seu próprio partido, será que não foi ele quem recebeu dos portugueses uma cartinha para ir lá ao Centro de Emprego, na segunda-feira?

Bom, como faço de todas as vezes que menciono o sagrado nome de Sua Eminência, o 19º Presidente da República Portuguesa e 6º Taifa de Silves, termino o post com um: “assim seja, meu Deus. Assim seja.”

* Atenção, não quero com isto dizer que a comparação seja totalmente descabida.