domingo, setembro 18

Igreja Rwanda

Mesmo os filmes como o Hotel Rwanda, que procuram animar as sensibilidades ferindo-as, não são um retracto completamente fiel.
Koen Musiek, um amigo belga, acompanhou durante 6 longas semanas os trajectos de Aurèlie Lierman, sua namorada, cujo nome verdadeiro é afinal Thérése, na reconstituição dos seus primeiros passos na terra onde nasceu, onde foi abandonada por ser ilegítima, de onde foi levada pelos seus pais adoptivos, belgas, que lhe mudaram o nome. Essa terra é precisamente o Rwanda.

Eis o exemplo de uma das histórias que me contou:
Numa certa aldeia, há 10 anos, durante o massacre das milícias Uttu à minoria que detinha o controlo do país, os Tutsi, um bispo católico aprestou-se a dar refúgio a um grupo de perseguidos. Espalhada a notícia, mais e mais Tutsis vieram até aquele local abençoada, um refúgio em terrenos sagrado, certos de poderem encontrar naquele sacerdote uma fuga do horror.
Foi assim que o pequeno grupo inicial se transformou numa multidão, se bem me lembro, da ordem das 50 mil pessoas, todas metidas dentro daquela igreja, que se tornara horrivelmente exígua.

Paciente e receptivo, o bispo abriu as portas da sua igreja até não poder mais.

Quando teve a certeza de não poder acolher mais ninguém é que o bispo chamou o senhor da guerra Uttu que, com a sua horda de homens, chacinou a sangue frio todas aquelas pessoas.
Diz-se que, para fuzilar, matar a corte de "machada" (foi a palavra utilizada por Koen) ou com as próprias mãos toda aquela gente, uma por uma, foram precisas mais de 5 horas.

O guia desta igreja, obviamente desacralizada e, desde então, transformada num museu, é um dos quatro sobreviventes do massacre. Conseguiu escapar fingindo-se morto e escondendo-se debaixo dos corpos que se iam empilhando em cima.

Ostenta na cabeça uma enorme cicatriz, feita por um golpe que servira de certificação da sua morte aparente.

É o sinal persistente de um ódio tão inexplicavelmente frio.

Miguel Maia

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