sexta-feira, setembro 23

Bem, não era bem sobre isto que tinha pensado escrever. Mas o post do Maia, obriga-me a tal. Já ontem, numa paragem de autocarro numa movimentada artéria desta cidade a que com orgulho chamo de minha, tinhamos tido esta discussão. Mais ou menos, porque ainda estavamos como que embriagados com o debate a que haviamos assistido (era sobre isso que tinha pensado escrever).

O que eu queria dizer é que um dos males da democracia é quando esta é separada da literacia. Do civismo. Quando uma série de iluminados (aqui stictus sensus, não com sentido irónico) decidiu que todos deveriam participar na organização e gestão da res publica, não o fez senão com o objectivo de que, ao ter voz, ao ter, em última análise, poder, o povo passasse a ser o objecto primordial das políticas de estado. Como tal, deveriamos educar, antes de mais, o povo para que este se consciencializasse dos seus direitos e deveres.

Ora, o que na realidade sucedeu foi que os que governam, ou sonham governar, perceberam que é mais fácil instrumentalizar um povito inculto, ignorante e adorador de grandes superficies, do que um povo culto. Esta é a força das Fátimas, Avelinos e Jardins. Esta é a fraqueza do nosso país.

Durante o meio século que durou a ditadura, deixou-se o povo no obscurantismo ileterado da pacata e pobre vida de aldeia. O povo não tinha grandes direitos e não os podia reivindicar (bem, a ser franca, a maioria não sabia que era suposto ter direitos...). Depois, uns quantos revolucionários e idealistas, qual filósofo que sai da caverna, quiseram abrir os olhos das massas, quiseram que as massas lutassem pelo "fim das classes", quiseram que as massas pugnassem pelos seus direitos. E aquela massa de gente, viu-se, pela primeira vez em oito séculos de história a ter voz - sem que para tal os ensinassem a falar.

E então reivindicaram aquilo que "viam" (aqui usado literalmente) que as classes dominantes tinham: carro, electrodomésticos, férias no Algarve e, nos últimos anos, telemóveis, roupas de marca e demais bens materais. Ninguém os ensinou a sair à rua a pedir bom ensino - saem para pedir menos propinas (os alunos) ou menos horas de trabalho (os professores). Ninguém quer acesso à Internet pela abertura ao conhecimento que daí pode advir, mas sim pelo messenger, championship manager e demais jogos.

Enfim o que eu quero dizer é que, enquanto os governantes se contentarem em gerir um tão fraco grupo de recursos humanos, não há de facto grandes saídas. E de facto, o nosso país vai tendo os líderes que escolhe, logo os que merece. O que me choca, e se calhar por isso sou idealista, é que sendo possível elevar o nível cultural médio das populações (e acredito piamente que tal é possível), os Partidos, Governos e demais instituições se contentem com o que temos hoje e não se esforcem por melhorar.

É que, e digo-o da forma menos elitista possível, quando vejo a malta de Felgueiras ou de Amarante a falar sobre os seus Deuses-Autarcas, sinto que aquele não pode, nem deve ser, o meu país. E como eu, pobre cidadã anónima, nada posso fazer, assim de repente, para os mudar, prefiro que se "transfiram" para outras fronteiras.

E digo-o isto não para ser lido literalmente mas sim em tom jocoso, que, entre outras coisas, sou muito dada à galhofa...

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