quinta-feira, novembro 10

Sobborgo

Por momentos pensei que a Joana pensasse diferente de nós, mas a verdade é que, tirando o facto de não partinlhar a sua disponibilidade para aprender a fazer cocktails molotov, estou completa e profundamente de acordo com cada coisa que ela disse.

1. É óbvio que existe um confronto cultural crispadíssimo entre os filhos de emigrantes, principalmente da África francófona, que cria uma barreira de comunicação.
Lembro-me que, quando fui a uma conferência sobre o co-desenvolvimento, um conceito maravilhoso, o representante do Mali dizia que a sua organização não governamental de solidariedade impunha uma taxa obrigatória a todos os habitantes da sua aldeia espalhados pelo mundo, de modo que essa aldeia pudesse ter melhores condições para os que ficaram e para os que quisessem voltar. É impossível compreender um Imposto Obrigatório de Solidariedade destas à luz dos nossos conceitos, principalmente se pensarmos que é imposto a pessoas que vivem em péssimas condições nos países para onde emigraram. E quando nós, os ocidentais, começámos a vincar os nossos escrúpulos republicanos sobre aquele senhor do Mali que estava a estorquir dinheiro aos próprios malianos, ele tornou-se agressivo e o diálogo transformou-se em conflito verbal.
E este é só um exemplo.

Mas parece-me que há outro problema bem mais grave.
Talvez há já dois anos, e desculpem-me se não tenho a paciência para ir verificar os arquivos, tivemos uma discussão neste blog sobre a cultura do subúrbio. Parece-me que é um assunto demasiado pertinente no contexto do que se passa em França, na Alemanha, na Bélgica, na Holanda, no Reino Unido, em Espanha e até em Portugal para ser tão sistematicamente posto de lado. Aprendi este fim-de-semana a dizer subúrbio em italiano e, como já aconteceu com inúmeras outras palavras, esta viagem linguística a Itália foi uma viagem até às origens da nossa própria língua. Sobborgo, isto é, Sub Burgo é a expressão que denomina aqueles que vivem fora e abaixo da cidade, abaixo da própria burguesia, entretanto feita classe média. E é esse exactamente o problema. A cultura daqueles jovens - filhos de emigrantes e das suas culturas, é certo - é o melhor exemplo da vazio ocidental que a mediatização e o nivelamento por baixo de uma suposta cultura média transformou numa cultura medíocre. Aqueles jovens, mais do que serem muçulmanos, ou malianos, ou seja o que fôr (e é óbvio que muitos deles nunca sairam de França e devem achar os países de origem dos pais quase tão exóticos e estranhos como nós)... são nada, vazios de cultura, sem espaço no nosso plano da cidade. Foram criados por uma televisão que não diz nada, numa escola que não conseguiu explicar-lhes o que quer dizer sucesso, dentro de uma comunidade que foi ostracizada, afastados da cidade, para que os cidadãos, nós, não tivessem que se lembrar que eles existiam, a não ser quando se sentavam com eles no autocarro e eles se portavam como animais obscenos e desprezíveis. Alguns deles nem sequer são diferente de nós. São os nossos mitras, os zarri italianos, o white trash americano, mas que desta vez se forjou numa comunidade de pessoas a quem chamamos pretos, que foi fechada da cidade e que também nunca quis ou tentou abrir a porta.

Carlos Miguel Maia

4 Comentários:

Blogger Gabriel Peregrino disse...

Subúrbio vem do latim, julgo que da expressão "sub urbs". O termo italiano tem a mesma origem.

11/10/2005 6:30 da tarde  
Blogger MiM disse...

É verdade, o português não vem do italiano.
Tirando pizza, pesto, stefanel ou benetton, não vejo mais nada que lhes tenhamos ido buscar.

O que eu disse é que pensar em italiano me fez recuar às origens do português, que lhe são, como é bom de ver, comuns.
Aliás, pensar que o português alguma vez podia ter vindo do italiano seria um tremendo dum erro histórico, já que a primeira gramática portuguesa apareceu aí 400 anos antes do Alessandro Manzoni ter escrito o "Promessi Sposi", na sua versão corrigida do maravilhoso dialecto "fiorentino", que o reino de Vittorio Emanuele, Cavour e Garibaldi havia de adoptar como língua oficial.

11/10/2005 10:36 da tarde  
Blogger Gabriel Peregrino disse...

O meu comentário não era em forma de reparo, mas de complemento :)

11/11/2005 1:43 da tarde  
Blogger Gabriel Peregrino disse...

Mas olha que embora a Itália tenha nascido como Estado unificado no tempo de Cavour, Vítor Emanuel e Manzoni, o italiano foi "padronizado" como idioma a partir do século XV, com a "Divina Comédia", de Dante (que utilizou o dialecto florentino/toscano e outros de várias partes da península).

11/11/2005 2:55 da tarde  

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