quarta-feira, fevereiro 16

"Coimbra tem mais encanto na hora da despedida"

De facto, e pelas mais deploráveis razões, a morte da irmã Lúcia pôs-me a pensar na condição do nosso país. Milhares de pessoas deslocaram-se a Coimbra (como o Miguel tão bem testemunhou) para assistirem de perto a todo o cerimonial fúnebre pela última sobrevivente dos videntes de Fátima. E viveram aquilo com as emoções à flor da pele. E choraram. E cantaram. Não estava lá, mas os três maiores canais de televisão transmitiram tudo em directo, pelo que, desconfio, deve ter havido mais uns quantos milhares de velhotas (e não só), mais comodistas, que sofreram tudo em casa.

Em primeiro lugar, assusta-me que aquela gente vá votar no Domingo. O futuro do meu país está, em parte, nas mãos de gente como aquela. Ou seja: tudo pode acontecer. Aqueles pequenos crânios arrepanhados pelas mises de cabeleireiros de esquina, estão incumbidos de participar no acto eleitoral de dia 20. E provavelmente estão, a esta altura, muito comovidos pelo Senhor Doutor Santana Lopes ter decretado luto nacional. E pelo facto de o Senhor Doutor Paulinho Portas ter ido (vergonhosamente impingido) à cerimónia que era dedicada, exclusivamente, familiar.

Em segundo lugar, DIA DE LUTO NACIONAL????? Não me lembro de haver luto nacional aquando das mortes de Sophia de Mello Breyner e de Maria de Lurdes Pintasilgo... Já sei que tenho mau feitio, mas parece-me que ao lado de uma escritora excepcional (a quem não deram um Nobel devido a uma injustiça atroz) e da única mulher que alguma vez ocupou o cargo de primeiro-ministro no nosso país, uma freira, velhota, a quem, alegadamente, um dia apareceu a Virgem Maria (repito: a Virgem apareceu-lhe, ela estava apenas no sítio certo, à hora certa...), não ressalta como símbolo daquilo que os portugueses são capazes de fazer...

Em terceiro e último lugar, quando se fala tanto do aumento da idade da reforma, da falência da Segurança Social, etc., convém reflectir sobre o que se fará com os velhos. Porque o exagero de ontem, mais do que uma demonstração de afecto/religião, foi um retrato de um manto de gente desocupada, que vive para os fait divers. É um retrato de gente infeliz, de gente sózinha. De gente a quem a ciência prolongou a vida, mas não a qualidade de vida. Ontem era vê-los contentes por terem com quem falar, a conhecerem caras novas. Não é a primeira vez que penso nisto (até porque como vivo perto da Basílica da Estrela, estou habituada a observar o fascínio mórbido que atrai os mais velhos para este tipo de eventos), mas acho que foi a primeira vez que vi que isto era um problema à escala nacional (e não apenas de Campo de Ourique...).

Acima de tudo o que queria dizer ao Miguel (os outros ou estão em viagem ou não nos ligam) é que tenho muita pena das beatas. Quão má pode ser vida para que a passem na sacristia?

Joana

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